domingo, 1 de maio de 2016

Serviço e conhaque

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Segundo ouvi no Telejornal, terá causado polémica nas redes sociais o facto de António Costa, socialista, republicano e ateu, ter hoje participado na procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em Ponta Delgada. 

Sou diferente de António Costa: apesar de republicano, não sou socialista e sou agnóstico. Dito isto, permitam-me que vos conte uma pequena história.

Durante o fim de semana da Páscoa acompanhei um grupo de turistas que se deslocou a Portugal, sendo Fátima uma das visitas. Na noite de Sexta-feira Santa informei o grupo que se iria realizar uma Via Sacra no recinto do Santuário, inquirindo-os se desejavam participar na mesma. 

Cerca de metade do grupo, 25 ou 26 pessoas, decidiram participar. Chegados ao recinto, uma das senhoras perguntou-me onde poderia comprar velas, perguntando-me ainda se queria uma vela. Respondi que não. Surpresa, ficou confusa pelo facto de participando no acto religioso, não querer a vela. Expliquei-lhe que, sendo agnóstico, tal não fazia sentido.  A senhora ainda argumentou que, apesar de agnóstico, não viria mal ao mundo se eu levasse a vela, perguntando-me ainda porque, não sendo crente,  tinha ido à Via Sacra. Expliquei-lhe que, sendo o Guia do grupo, estava ali por obrigação profissional. Na verdade essa obrigação não existia, porquanto o evento não constava do programa da visita, mas tenho brio profissional suficiente para não deixar um grupo "pendurado" apenas porque está fora do meu horário ou do meu contrato.

A senhora foi comprar a vela e regressou com duas. Após insistir novamente para que eu levasse a vela, e após nova explicação da minha parte quanto à incongruência que tal acto, por simples que seja, representaria, acabou por acender ambas as velas, dizendo-me: "Esta é por ti, vou rezar por ti". Agradeci-lhe. 

Ou seja: o facto de ser agnóstico deve impedir-me, enquanto Guia, de entrar num qualquer templo ou participar num evento religioso? Isso faz de mim um hipócrita? Nessa área de trabalho, estava desgraçado! Só nesse fim de semana os meus clientes teriam ficado sem interpretação no Santuário de Fátima, Igreja de Santa Maria de Belém/Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, e na Igreja de Santa Cruz e Sé Velha, em Coimbra.

Se o cidadão António Costa, a título pessoal, se tivesse deslocado aos Açores para participar na procissão, eu era capaz de ficar com "a pulga atrás da orelha". Que o Primeiro-Ministro, em visita oficial, o tenha feito, parece-me apenas adequado e longe de necessitar justificações.

Ou seja: serviço é serviço, conhaque é conhaque!  
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imagem: www.dn.pt

1 comentário:

th disse...

Já cá não vinha há imenso tempo, e se eu gosto da tua escrita! mas tenho andado a fazer um circuito pelos blogs e aqui encontrei um excelente texto e que me coloca ao teu lado nesta questão!
Um abraço amigo,
theo